Evoluindo de uma apresentação (chata?) para uma oficina repleta de interações entre os participantes.

Facilitando um Workshop de Scrum Zumbi com Estruturas Libertadoras

Gustavo Cocina
7 min readAug 12, 2019

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Há cerca de um ano fui surpreendido pelo artigo The Rise of Zombie Scrum, de Christiaan Verwijs e Johannes Schartau e também sua expansão, escrita por Barry Overeem. O Scrum Zumbi é uma metáfora para uma prática Scrum repleta de disfunções anti-ágeis, que impedem o time de entregar valor. Sua beleza está em confrontar as práticas e crenças do time com os valores e pilares do Scrum.

Esse foi o primeiro material que tive contato sobre anti-patterns de agile. Até então, eu conhecia livros de referência do tipo “como fazer” ou “como nós fazemos por aqui”. A maioria dos materiais postados em redes sociais também mostram apenas o lado festivo e sorridente de times que estão lutando para serem realmente ágeis.

Posteriormente, tive a chance de aproveitar um espaço nos meetups promovidos pela área de arquitetura da minha empresa e levei para lá o Scrum Zumbi. Em cerca de 45 minutos, apresentei os sintomas, causas e tratamentos da epidemia de Scrum Zumbi para um público majoritariamente formado por arquitetos de software que trabalham comigo. A sessão foi proveitosa para os atendentes, que relataram suas próprias experiências e percepções e também puderam fazer perguntas.

Apresentando a metáfora do Scrum Zumbi para algumas pessoas locais e outras remotas.

A apresentação estava pronta, refinada e ensaiada para ser repetida nos dojos de agilismo promovidos pela área de governança de práticas ágeis para um público interno maior dentro da companhia.

No mesmo período, iniciei meus estudos em Estruturas Libertadoras, “uma linguagem para interação em grupos”, na elegante definição de Verwijs.

Logo no começo do livro The Surprising Power of Liberating Structures, de Henri Lipmanowicz e Keith McCandless, fui convencido de que as LSs (Liberating Structures) são muito mais capazes de engajar as pessoas do que os formatos engessados Big Five: apresentação, status report, brainstorm, discussão aberta e discussão mediada. No entanto, decidi colocar essa certeza à prova.

Como a duração da sessão era de duas horas, em vez de repetir a mesma apresentação, resolvi facilitar uma oficina de Scrum Zumbi com Estruturas Libertadoras.

Meu objetivo era que a sessão fosse divertida e instigante para os participantes em toda sua duração, e que nenhum deles fosse flagrado dando aquela escapada para o telefone celular em um momento de tédio.

O caminho que escolhi foi mesclar algumas LSs à apresentação existente. Pelo LinkedIn, comentei sobre esse plano com Verwijs e Overeem, que deram apoio e dicas.

Como preparação, eu participei de dois workshops em junho de 2019, ambos facilitados por Overeem em São Paulo: um sobre Estruturas Libertadoras, que durou um dia inteiro, e outro sobre o uso de Estruturas Libertadoras para combater o Scrum Zumbi. Foram dois eventos espetaculares, em que testemunhei como as LSs são poderosas para garantir a participação e a colheita do conhecimento de cada indivíduo em grupos de pessoas.

O que segue é o relato de como conduzi a oficina, quais LSs apliquei, os acertos, erros e aprendizados.

Mas antes preciso dizer que em ambas as oficinas, Overeem se valeu de uma ferramenta exótica para chamar a atenção dos participantes com simpatia e eficácia: um par de pequenos címbalos cerimoniais do Budismo Tibetano chamados ting sha, que produzem um som gostoso e cristalino quando batidos levemente um no outro.

Também é uma ferramenta eficiente para a voz do facilitador. Nessas horas, ajuda muito ter uma irmã que é professora de ioga para pegar um par de ting sha emprestado.

Címbalos ting sha.

Agora sim, vamos ao evento.

Preparei a sala com as cadeiras encostadas nas paredes em formato de semicírculo, com amplo espaço para circulação.

Nos minutos que antecederam o evento deixei um pouco de música tocando, para criar uma atmosfera de energia e leveza. Sei que é uma questão de gosto, mas acho que as trilhas sonoras dos filmes Guardiões da Galáxia são ótimas para isso, me fazem sentir muito bem.

Me apresentei muito brevemente ao pouco menos de vinte pessoas, distribuídas entre Scrum Masters, Product Owner e desenvolvedores.

Impromptu Network

Pedi aos participantes que se juntassem em duplas para um quebra-gelo, a LS Impromptu Network.

O convite: quais dificuldades você vive em um time Scrum e quais são suas expectativas para esta sessão?

Foram três rounds de dois minutos cada, com as pessoas sempre formando duplas diferentes. As interações foram breves, mas significativas, com as pessoas tendo a chance de trocarem experiências logo de cara. Fiz um rápido arremate em que os presentes reportaram perceberem padrões se formando, pontos em comum com outras pessoas, o que foi muito positivo para criar um sentimento de estarem todos no mesmo barco.

Em seguida, fiz uma rápida introdução sobre como o mercado aborda principalmente a teoria do Scrum, mas que na prática, muitas vezes surgem certas disfunções sem o time perceber que algo está errado. Aí começa a epidemia de Scrum Zumbi.

TRIZ com 1–2–4-All

Hora de praticar a LS TRIZ, um exercício de destruição criativa.

O convite: na primeira fase desta dinâmica, pedi aos presentes para imaginar e listar características de implementações Scrum que garantissem que o time iria falhar definitivamente.

Foi um exercício individual e silencioso. A lista foi feita em blocos de papel grande. Em seguida, formaram-se duplas para consolidar as listas e as duplas se juntaram em quartetos para a última consolidação e escolha dos itens mais críticos. Finalmente, os quartetos apresentaram suas conclusões ao grupo.

Fiz uma pausa na dinâmica para voltar ao PowerPoint a fim de apresentar a Equipe de Pesquisa do Scrum Zumbi — Verwijs, Schartau e Overeem — e mostrar que eles estruturaram o conceito em sintomas, causas e tratamento. Aí gastei um tempinho explicando os quatro sintomas, com foco maior no primeiro, a falta de um coração pulsante representado pelo software funcional e como uma Definição de Pronto fraca está relacionada a esse sintoma.

Voltamos ao TRIZ. Em sua segunda fase, pedi aos participantes para serem honestos consigo mesmo e compor uma segunda lista, extraindo itens da primeira lista que são vistos em seu ambiente. Isso também foi feito na sequência individual-dupla-quarteto-grupo (1–2–4-All).

Voltei ao PowerPoint para apresentar as seis causas do Scrum Zumbi, com grande foco na falta de senso de urgência motivada pela falta de alinhamento e transparência sobre o que representa valor.

Quando chegou a hora de fazer a terceira parte do TRIZ, o tempo estava quase acabando, então preferi pular essa fase e gastei o tempo restante falando sobre os seis tratamentos para o Scrum Zumbi, convidando os participantes a se juntar à resistência contra o Scrum Zumbi, a conhecendo as Estruturas Libertadoras, encerrar a sessão em seguida.

Os acertos

A preparação que busquei foi muito sólida. O livro de Lipmanowicz e McCandless deu toda a base teórica, enquanto os workshops de Overeem foram essenciais para ver as LSs em prática.

O público da sessão era exatamente o que eu queria atingir: praticantes de Scrum, principalmente Scrum Masters.

Os erros

Apresentar todos os sintomas, causas e tratamentos custou tempo precisíssimo e não agregou tanto quanto as discussões entre os participantes.

Não gerenciar o tempo das discussões adequadamente. Em vários momentos eu percebi as pessoas participando intensamente, sentados em suas cadeiras de frente para seus colegas, inclinados à frente falando ou escutando ativamente e decidi não interromper.

A consequência desses dois erros foi que não houve tempo para a terceira fase do TRIZ, de solução de problemas. Por isso deixei de praticar com o grupo as LSs Troika Consulting para os quartetos abordarem seu problema mais significativo e 15% Solutions para definir os primeiros passos na solução dos próximos dois ou três problemas mais importantes.

Os aprendizados

Em vez de ser muito fiel ao material original, eu deveria ter falado apenas sobre o software funcional ser o coração do Scrum e o valor ser o sangue bombeado para o restante do corpo. Deveria convidar os participantes a ler os materiais originais para conhecer os sintomas, causas e tratamentos em detalhe. O resto do tempo seria todo para a prática de LSs.

O controle do tempo é fundamental para garantir o cumprimento de todo o programa do workshop. Interromper as conversas no tempo certo talvez faça com que as pessoas queiram retomá-las depois do evento.

Feedback

Durante a condução do workshop, recebi feedbacks que as pessoas estavam muito mais participativas e envolvidas do que o normal.

Na despedida ao final do workshop, os participantes foram positivos em suas avaliações. O clima era animado. E não peguei ninguém olhando o celular!

Participantes do workshop totalmente equipados com ferramentas para combater a epidemia de Scrum Zumbi.

Após o evento, quando confessei a um dos Scrum Masters participantes que não deu tempo de fazer todas as dinâmicas, ele disse que gostou das atividades que couberam no timebox e achou bastante útil o conteúdo dos slides.

Conclusão

Os participantes definitivamente saíram preparados para reconhecer, evitar e tratar epidemias de Scrum Zumbi.

Comprovei a hipótese do início deste relato: as Estruturas Libertadoras de fato proporcionam engajamento de mais pessoas no conteúdo do que é discutido e na formação dos próximos passos da discussão. Agora fica a agradável missão de aprender LSs mais complexas e usá-las cada vez mais.

Toda a jornada de aprendizado foi um prazer, mesmo com a execução imperfeita. Há sempre uma próxima vez para melhorar.

Agradecimentos

A minha querida irmã Karen, que me emprestou os ting sha, que talvez sejam devolvidos um dia, talvez não. :D

A Camila Melo, pela organização do dojo, suporte e feedback.

Meus agradecimentos especiais a Barry Overeem e Christiaan Verwijs, por toda a inspiração e suporte. Recomendo a todos conhecerem o trabalho de The Liberators.

Para saber mais

Scrum Zumbi: meu artigo bem resumido sobre os principais pontos do Scrum Zumbi.

The Rise of Zombie Scrum: o artigo original, bem detalhado e muito divertido de ler.

Zombie Scrum — Symptoms, Causes and Treatment: a expansão com novas causas e tratamentos.

Estruturas Libertadoras: site com todas as estruturas traduzidas para português.

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